O Mercado Visto da Rua: Co-Living em Localizações Secundárias, será que funciona?
Tendo em conta a proximidade ao Parque das Nações, Sacavém tem vindo a afirmar-se como uma zona habitacional em valorização. Apesar de não ser considerada uma zona prime, a localização estratégica face a Lisboa, as boas acessibilidades e as perspetivas de melhoria das infraestruturas e da organização urbana têm sustentado uma evolução consistente do mercado.
Portugal continua, no entanto, a ser um país de cultura de posse: cerca de 70% da população procura adquirir casa, o que limita o desenvolvimento do mercado de arrendamento. A verdade é que não existem alternativas “razoáveis” à compra, o que, aliado às dinâmicas atuais de vida e às transformações demográficas, abre uma oportunidade clara para edifícios pensados especificamente para arrendamento.
Contudo, o enquadramento urbanístico continua a dificultar a viabilidade de projetos habitacionais tradicionais com este propósito, sobretudo porque:
É mais rentável desenvolver para venda especulativa;
Condicionantes urbanísticas, como áreas mínimas por tipologia e exigência de estacionamento, comprometem a viabilidade económica.
É neste contexto que o Co-Living surge como uma alternativa realista e alinhada com as necessidades do mercado. Embora o conceito ainda seja pouco maduro em Portugal, o interesse dos investidores tem-se concentrado em localizações prime, como Lisboa e Porto.
A questão é: haverá espaço para desenvolver este produto em zonas secundárias? A nossa convicção é que sim. Do lado da procura, não restam dúvidas.
Localização Secundária: Sacavém
A centralidade de Sacavém, no concelho de Loures, reforça o seu potencial e a procura crescente no mercado de arrendamento.
📍 Localização e acessibilidades
Proximidade a Lisboa, com acessos rápidos pela A1 e A30;
Boa rede de transportes públicos;
Oferta de comércio e serviços no centro urbano.
🚆 Conectividade ferroviária com Lisboa:
Sacavém → Oriente: ~ 5 minutos
Sacavém → Braço de Prata: ~ 8 minutos
Sacavém → Santa Apolónia: ~ 14 minutos
📊 Demografia, rendimentos e habitação
Segundo os Censos 2021, o Município de Loures tinha 201.590 habitantes, com uma média de 2,47 pessoas por família. Destaca-se:
59,1% das famílias com 1 a 2 pessoas (perfil ajustado ao Co-Living);
61,1% das habitações ocupadas por proprietários (abaixo da média nacional de 70%);
31,3% das famílias em arrendamento (10% acima da média nacional).
Entre 2011 e 2021, Loures perdeu 1,7% da população. Contudo, entre 2019 e 2023, a população estrangeira residente cresceu +64,2%, impulsionando a procura de arrendamento e a subida das rendas.
Em termos de encargos, 43,5% dos proprietários têm crédito associado, com prestações na maioria dos casos até 650€/mês.
💡 Procura – dados Idealista
Tipologias mais procuradas: T2 (compra e arrendamento), seguidos por T1.
Dimensão preferida: 61–75 m².
Intervalos de preços mais relevantes:
📈 Segundo o SIR, a renda média contratada para um T1 (~43 m²) situa-se nos 850€/mês.
O Projeto Imobiliário
Tendo em conta a localização do ativo, o enquadramento urbanístico associado e as dinâmicas atuais do mercado, foi equacionado o desenvolvimento de um projeto em formato Co-Living, direcionado ao arrendamento habitacional, em alternativa a um modelo residencial tradicional.
Este conceito habitacional prevê a criação de 54 unidades de alojamento, com cerca de 30 m² cada, que partilham uma rede de espaços comuns com afetação a serviços, nomeadamente:
✔ Zonas de trabalho e estudo;
✔ Áreas de refeição;
✔ Espaços de lazer e convívio;
✔ Ginásio.
A proposta procura responder à procura crescente por soluções habitacionais mais flexíveis e adaptadas aos novos estilos de vida, oferecendo uma alternativa viável e competitiva ao mercado residencial tradicional.
“Através da redução das áreas de circulação ao mínimo indispensável e de um estudo cuidado do mobiliário fixo, é possível encontrar soluções arquitectónicas eficazes, mesmo em áreas reduzidas. Para tal, é necessário pensar os espaços de forma a serem o mais versáteis possível. Como demonstramos aqui, é possível, em menos de 30 m², integrar zonas de descanso, lazer, refeições e trabalho. No fundo, procuramos que os espaços comuns do edifício de co-living não surjam apenas como uma necessidade funcional, mas antes como um complemento: uma extensão de cada unidade autossuficiente, que amplia a sua versatilidade através desses espaços partilhados.”
Arqº Joao Franco
Figura 1 - Esquema de Layout, Unidade de Alojamento, Vista 1
Figura 2 - Esquema de Layout, Unidade de Alojamento, Vista 1
Figura 3 - Esquema de Layout, Zonas Comuns, Vista 1
Figura 4 - Esquema de Layout, Zonas Comuns, Vista 2
Perfil de utilizadores
O modelo de Co-Living em Sacavém enquadra-se em diferentes perfis de utilizadores, que refletem as atuais dinâmicas do mercado habitacional:
✔ Famílias jovens, maioritariamente compostas por até duas pessoas (casal), que procuram uma solução funcional e bem localizada enquanto não têm capacidade para adquirir habitação própria ou arrendar um imóvel com áreas superiores. (Nota: também os estudantes deslocados podem integrar este perfil, embora apresentem maior sensibilidade ao valor da renda.)
✔ Pessoas divorciadas, geralmente de meia-idade, que necessitam de um alojamento prático, com fácil acesso a serviços e proximidade a Lisboa.
✔ Empresas, que procuram alojamento para trabalhadores deslocados ou expatriados, garantindo contratos com “renda fixa e disponibilidade durante todo o ano”.
Cálculos Simplificados
1. Estimativa de Custos de Desenvolvimento
(exclui aquisição de terreno e custos de financiamento)
1.1 Hard Costs
Construção: 4.653.033 €
1.2 Terreno
A definir
1.3 Soft Costs – 402.525 €
Projetos
Taxas urbanísticas / municipais
Gestão e administração
1.4 Custo de desenvolvimento por unidade de alojamento: 93.621,44 €
Figura 5 - Estimativa de Custos, Resumo
2. Renda Potencial Estimada
2.1. Renda bruta por unidade de alojamento: 800 € / mês
2.2. Renda bruta anual do edifício: 518.400 €
2.3. Custos operacionais anuais: 20% da renda anual = 103.680 €
Com base neste racional económico, e assumindo uma análise simplificada (sem contabilizar custos de terreno e financiamento):
Yield Bruta do ativo (antes de impostos): 8,7%
Questão-chave: Face à estrutura financeira apresentada, a pergunta central é: qual o valor a atribuir ao terreno sem comprometer a viabilidade económica do projeto?
3. Conclusões
Do ponto de vista da procura, as zonas periféricas dos principais centros urbanos revelam uma atratividade significativa para o desenvolvimento de formatos habitacionais orientados para o arrendamento.
O custo, o tempo de desenvolvimento e o financiamento destes ativos continuam, contudo, a ser desafios a mitigar, de forma a reduzir o risco e maximizar a performance.
A simplificação dos processos de licenciamento e a adoção de sistemas de construção modular surgem como fortes aliados na criação de condições que viabilizem este tipo de alojamento habitacional. (Nota: Apesar da enorme relevância, não vale a pena voltar ao tema da fiscalidade)
A escala/dimensão é outro fator crítico, presente na checklist dos principais players, dada a sua influência direta nos custos de desenvolvimento e na eficiência operacional.
A grande questão é: haverá espaço para um produto intermédio, que não cumpra toda a checklist, mas que em localizações secundárias consiga desafiar os critérios atuais de investimento?
Pelo menos do ponto de vista do capital a alocar, estes seriam necessariamente investimentos mais curtos, com uma poupança significativa no custo do terreno. Dependendo do caso e da localização específica, o investimento necessário para desenvolver um ativo em zona prime poderá equivaler ao desenvolvimento de dois ativos em localizações secundárias “seguras”.
Créditos:
✒️ Artigo Elaborado por: André Casaca
📐 Estudo Arquitetónico – Joao Franco
📊 Análise de Mercado – Pedro Almeida